sábado, 27 de julho de 2013

Pausa Poético-pessoal:

     Correr, feito fogo. Ter a sensação de algo selvagem percorrer por si, entre si. Temos um desvinculamento com aquilo que nos é próprio: o Natural. Cada ser-humano tem sua representação zoo-antropomórfica. Um animal principal (podendo ser co-ligado a outros) que representa sua personalidade. Ser lobo, gato, corvo... O que isso significa pra mim? Por que asa representações animais são criadoras de Sentido? - São aquilo que me ligam mais fortemente ao mundo. Sem este vinculamento, instaura-se o absurdo; e a violência, o estrangeirismo e o exílio. Ser um exilado daquilo que é parte de si: o Mundo. O ser-humano esqueceu-se de si enquanto animal, mas ele ainda o é; mamífero, primata, onívoro.
     Ser lobo para mim é o reencontro com o sentimento de irmandade e de pertencimento. A completude do eu. Se não me sinto próximo da minha espécie, se não me reconheço irmão do humano, reconheço-me lobo, e nele as características predominantes do meu caráter. A coragem, persistência, ferocidade, racionalidade. O fogo essencial que me preenche. Conceitos criados através da linguagem que percebo de modo tactil, visceral e empírico nas atitudes e hábitos deste animal. Até mesmo o infenso orgulho me é perceptível através dos olhos e da pele. Uma proposta de um conhecimento sensível e visceral, além do cérebro, além das mãos: um conhecimento de corpo inteiro. A potencialidade imaginativa levada ao máximo, levada para a superfície da epiderme e para além dela, toda a sabedoria, todas as possibilidades, a criação fecunda de histórias e imagens, a exuberância de um conhecimento próximo ao verdadeiro. Algo que se possa sentir como real. É esta a proposta de re-ligação do homem com aquilo que de fato é seu, através de todos os meios criativos, um não à tecnocracia, um sim para a criação imagética do sub-consciente individual, embora ligada com o Todo.
     Ser lobo para mim é ser Eu. E ser aquilo que sou em plenitude. Ser-humano animal, filho da lua, do fogo e do gelo. Filho da noite e das florestas selvagens. Filho da metáfora. Filho desgarrado do mundo, mas que ainda se liga ao social. E para ver além é preciso de olhos e ouvidos aguçados, mas também, asas para poder elevar-se e plainar, observando acima e além, sempre adiante.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

A letter to...

Para Bárbara.

Há alguns dias ando tendo uma percepção diferente sobre esse poema, além de, é claro, achá-lo mais erótico que antes, andei pensando principalmente sobre os primeiros versos e sobre o que seria "Aprender o amor pelo desamor". Acho que o que andou acontecendo desde março explica muito bem isso... Só pude aprender, de fato, sobre o que é o amor e sobre o que é preciso fazer para que ele perdure depois de todos os nossos estranhamentos e conflitos (que apesar disso, não gostaria que tivessem acontecido). Tenho pensado também no meu caríssimo senhor Reiner Maria Rilke, e numa carta que ele escreveu ao jovem aspirante a poeta Kappus: " O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação. Por isso, pessoas jovens que ainda são estreantes em tudo não sabem amar: têm que aprendê-lo". E você sabe como pra mim é difícil admitir essa minha "juventude" e o fato de eu ser "estreante em tudo", por exatamente não saber lidar com as dificuldades. Você sentiu isso melhor do que todos os outros... Em conseguinte, há outros trechos do Rilke que têm me assoprado aos ouvidos, no fundo, pra ele, e com certo entendimento de causa (que eu tinha como aprendido, mas vi de fato, esquecendo), o amor é o respeito entre duas solidões. Nesse sentido, sei que tivemos nossas falhas, e que a maior delas foi minha, exatamente por ter deitado fora esse conhecimento que achava ter. Pondo em prática, me vi errônea e cometendo os mesmos erros citados pelo Rilke, e hoje percebo que minha maneira de amar estava errada. Por isso, considero a Canção nº 7, a que se dizia a anti-canção, a maior de todas, a mais sublime entre elas... Mais que a nº4 ou que a nº6... Pois a nº 7 é uma Ode a esse respeito pela Solidão, pela solidão essencial do ser humano. E eu só pude me reaver com isso, aprendendo da maneira mais dura... "o amor pelo desamor". Somente declarando "ódio aos floristas" pude conceber o tamanho do meu egoísmo e da minha imaturidade.


E eu acho que encontrei uma nova epígrafe para as Canções de Amor:
"O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo em si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser; é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe".


Canção de Amor nº 7
- A anti-canção -

Aprender o amor pelo desamor:
declarar ódio aos floristas,
caminhar pelas ruas da cidade sem
uma única canção, ser sozinho
e ser feliz por isso. Aprender
que o Pleno é tangido
pelas cordas do Universo
quando o todo mais parece um
desconcerto, e a regência
dos fatos é o insólito que se
encarrega. Sem fórmulas,
somente o calor de uma gruta
escura e úmida perdida numa
montanha de gelo. Que
para escalar é preciso mais que
mãos e pés; É preciso
ter coração de vidro
e olhos quentes como
dois rubis em brasa,
e se deixar é apenas um detalhe.

Dois cometas cruzam a noite
como fogos-de-artifício
e explodem coloridos em Copacabana;
O céu repleto de estrelas
nada mais é que o ocaso
dos sentidos.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Pausa Poético-Pessoal:

     Penso que estive em certo estado de inércia durante esses meses, e quiçá, durante esses últimos dis anos. Mas após o lançamento do "Dissonância Subjetiva", fato ocorrido no dia 1º de outubro de 2012, me fez novamente despertar para as questões importantes da minha escrita. A má arguição, o repente, o nervosismo e a timidez, sintomas que me incomodaram e são essencialmente provas da inesperiência, mas também do susto, de um certo despertar: um primeiro choque de realidade. Eu não estava levando meu trabalho a sério. Por mais que eu me esforçasse para obter as leituras, e no caso, para compor meu primeiro romance, o "Nas Margens do Azul", eu estive em tal grau de displicência para com a minha obra que ela própria pareceu desinteressante a mim. Um estágio quase mútuo de des-interesse, com o qual percebi que eu não tinha propriedade (quase nenhuma) sobre aquilo que eu escrevi.
     É claro que a minha fragilidade no lançamento, tanto em perspectiva literária quanto comercial, diante de meus bons e poucos entes-queridos e pessoas por quem nutro admiração (inclusive minha mãe, que ao menos não viu minha fala falha), me causou certo estranhamento e me pôs diante de questões importantes. Porém uma questão se sobressalta às demais, neste primeiro instante: Minha obra precisa ser maior que eu. Ela têm de ser autônoma à minha pessoa, enquanto escritora, para que possa crescer e se fundamentar, pois se ela acabar por depender de mim, certamente prevejo um fim trágico destinado ao Lethes, o rio do esquecimento. Pois, depois de longa reflexão e constatação, e gostando de admitir isso ou não, eu sou um poeta "marginal", descendente direta (e não por influência) de Arthur Rimbaud. E levando à risca no sangue as "palavras de ordem" de Torquato Neto ("É preciso estar à margem da margem..."), eu tenho me caracterizado cada vez mais em um desgarrado de toda e qualquer filiação literária contemporânea, um completo desterrado, porque além de minha própria conduta-reflexiva intransitiva, o cerne da matéria-prima da minha obra é um só: A Revolta Genuína. A Revolta plena que ultrapassa o limite tão somente da violência e da transgressão, manifestando e compondo-se em todos os âmbitos da existência, como o político, o social, o histórico, o filosófico, o literário... Uma revolta que revoga a si sua própria existência e torna-se força motriz para a reflexão e a ação, sempre com a inclinação à proposição criativa da mudança. E com isso, posso concluir junto a Drummond (este sim, meu pai e irmão): "Por fogo em tudo, inclusive em mim/ Ao menino de 1918 chamavam anarquista/ Porém meu ódio é o melhor de mim...". Entretanto, tal episódio só pode ser concebido devido a um episódio também ocorrido na noite do lançamento do livro, quando eu e mais dois companheiros, decidimos ir ao "Corujão da Poesia", evento (vulgo, sarau) que acontece toda segunda-feira na rua Vinicius de Moraes, em Ipanema. Recordo-me que cheguei tarde, pouco após à meia-noite, e que este fato pode realmente ter contribuído para a minha estranha percepção do ambiente, e por ter perdido parte do evento, isto pode ter influenciado diretamente na minha observação. Em todo o caso, quando cheguei havia uma banda tocando, e realmente, todos os músicos que se apresentaram nesta noite em questão, eram todos, no mínimo, realmente competentes. Contudo o que me incomodou foi a relação daquelas pessoas e daquele Lugar com a poesia...  O que eu pude constatar foi que as pessoas que ali se apresentaram estavam beirando algo entre a ingenuidade e o estrelismo (que pode ser considerado má-fé neste caso, o que é pior), e a poesia em si não era o centro das atenções, ou ao menos algo factualmente importante. A Poesia já não se presentificava no local, o que depois em conversa, me recordou um verso de Ferreira Gullar, mas com um adendo, é claro: "E a Poesia foi à rua comparar jornal"...  Comprar jornal, passar um café, tomar uma cerveja em outro bar e nunca mais voltou. Parece que não fez questão. O que acontecia de fato é que aparentemente naquele ambiente a Poesia não era posta em primeiro plano, e muito menos levada a sério; o que tinha-se eram pessoas brincando de fazer poeminhas, fingindo ser poetas e fingindo discutir poesia, quando na verdade era apenas um evento com caráter festivo, em que certas pessoas iam apenas para mostrar-se socialmente, um certo tipo de exposição de ego, tal como foi o caso de um jovem ator, com pose de galã-rebelde que subiu ao palco-livre para falar desdenhosamente alguns poucos versos de Drummond e entreter o público com sua conversa pseudocultdescoladorevoltadocoolcaustico. Mas o ocorrido-estopim cujas as conseqüencias foram minha indignação e Revolta genuína, e estas reflexões que surgiram mediante horas de conversa sobre tais assuntos com meu queridíssimo PH Wolf, foi a cena de absurdo non-sense chamada: Hora do Sorteio. Em forma de programa de auditório, possuía um jinggle repetitivo tocando ao fundo, enquanto uma espécie de mestre de cerimônias misturado com um apresentador de televisão sorteava livros e doces para a platéia, e convidando os "felizardos" a subirem ao palco para que todos contemplassem sua sorte. Uma típica cena de programa barato de auditório (e ouso dizer, típico de programas de domingo à tarde), com um óbvio e apelativo panis et cirsensis. Diante tal imagem, todo aquele nicho parecia-me de um completo absurdo em demasia, algo talvez até um tanto ionesco, mas com uma caracteriza fortemente repulsiva (e idiotizante). O jinggle possuía uma composição instrumental interessante, mas repetitiva ao extremo, e seguida de um lírica fraca; era algo pegajoso tocando infinitamente junto aos gritos, sorteios, aplausos, prêmios e certa vergonha alheia.
     E esta percepção de um ambiente repleto de poesia ruim e não levada a sério, sendo, posso cogitar, usada como um meio de promoção da imagem pessoal de certos indivíduos, e não como "uma origem e fim em si mesma", como deveria ser, despertou-me pela segunda vez, agora em forma da minha revolta plena: O segundo choque de realidade, conseqüência do primeiro e causador do re-despertar da minha Revolta Genuína, a inquietação crítica que expõe-se e dispõe-se para o ímpeto da criação, uma poética instituída na no precisar e no contra-querer. O contra-argumento no embate com a superficialidade do contemporâneo.
     Pouco após este desagradável, embora gratificante, ocorrido, eu e as duas pessoas com as quais dispunha de companhia, fomos nos direcionando à praia do Leme, onde conversamos desconexamente até que o amanhecer, às cinco horas da manhã, desvelou-se por entre o mar, tímido e majestoso, e clareou todas as figuras turvas e dissolutas da noite anterior. O que (uma vez mais) recorda-me certo poema de Drummond: "A Noite Dissolve os Homens". Que poderia ser colocado por inteiro, como grande transição desta noite que fundamentou-se em um período de guerra e ostracismo, para então valer-se da clareza do pensamento e do futuro, que com a Aurora trás consigo a esperança advinda do amanhecer: O Recomeçar cíclico do Tempo, e que desponta, por si só, e vale um tanto quanto mais que toda essa explanação.

"...Aurora, entretanto eu te diviso, 

ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender
e dos bens que repartirás com todos os homens. 


Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações, 
adivinho-te que sobes,
vapor róseo, expulsando a treva noturna. 


O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos, 
teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam 
na escuridão 
como um sinal verde e peremptório. 

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo, 
minha carne estremece na certeza de tua vinda. 


O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes 
se enlaçam, 
os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão 
simples e macio... 

Havemos de amanhecer. 
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã 
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário 
para colorir tuas pálidas faces, aurora." 



















quinta-feira, 8 de julho de 2010

A Busca do Poeta pelo Desconhecido, Um Comentário.

Que se arrebente no salto rumo às coisas inauditas e inomináveis: outros trabalhadores horríveis virão; e começarão pelos horizontes onde o outro sucumbiu!”

(Arthur Rimbaud)


O trabalho do poeta é um trabalho de morte.

Antes de qualquer divagação sobre a Poesia, é devido que se esteja ciente: precisa-se morrer. E isto não é um aviso, é uma constatação. A busca necessária do poeta, tal qual seu “trabalho” é uma busca absurda. É preciso, ainda que em vida, encarar de forma inaudita a morte; matar a si mesmo, e seus fantasmas, numa catábase pelo desconhecido da alma. Uma alma que se multiplica e se torna várias, um Eu que se conhece como Outro.

É uma jornada que se inicia muito antes de termos consciência de que estamos caminhando, mas é necessário ter consciência, para que de fato ela se inicie. Seus sinais são claros, mas estão todos encobertos por véus que precisam ser desmembrados, e novamente costurados, - e que isso seja feito por mãos hábeis! Que consigam firmemente segurar o fio sem deixar que ele se rompa, mas que o permita nodificar - formando pausas e novos tecidos. É preciso ouvir o Vazio, deixar que se soe por dentre os ouvidos o silêncio, e que dele se tire sussurros e orações, pistas do desvelar, que desvendem atalhos demorados, e nos guiem durante as curvas mais estreitas e sombrias. Tanto o Leitor, quanto o Poeta, têm de escutar o Vazio, desaventurá-lo, desfigurá-lo, sem jamais tapar os ouvidos, que atentos sempre devem estar ao som do Nada, que se levanta e se retrai, para que assim, se descubra o caminho por onde tateante segue, e tome razão de porque está ainda a percorrer.


Quando se depara com a sombra do abismo de si, tal como na epopéia grega, encontra-se um barqueiro que irá cobrar-lhe pela travessia, mas a moeda que será a ele entregue, terá de ter estampada a sua face. O seu eu, persona, precisa ser deixado para trás a fim de que se possa ter a passagem para o inaudito. Neste pagamento está contido o primeiro sacrifício do Poeta, a primeira morte de si, que dará inicio à busca pelo desconhecido.

Abandonando-se a si, entra-se em um labirinto, e cada constatação torna-se absurda. Ao poeta, tudo parece singular, e o mais costumeiro habito não demonstra familiaridade nenhuma. Habita nas estranhas de si o eterno começar, e tudo torna-se um jogo, um jogo onde as experiências são despudoradamente dissecadas, elevadas, exaltadas, onde o poeta, com a pena, entusiasma-se, afundando-se em si mesmo, aprofundando a tinta em sua carne. No entanto, sabendo que esta é uma brincadeira perigosa, séria, e cruel: as apostas são pagas com a alma, e com a própria vida. Cada descoberta, cada carta mal posta à mesa, cada pequena vitória, cada derrocada de amor, indicam uma nova passagem por dentro do labirinto. E assim, o artista vai-se deixando, esquecendo aos poucos, dependurando as máscaras usuais à porta, e adotando novas máscaras, mais finas, que não mais protegem o rosto e a identidade, mas deixam-as a mercê de todos os possíveis arranhões e ferimentos, cicatrizes cultivadas através dos despenhadeiros, das flechas, das armadilhas implantadas dentro de si mesmo, e então, quando o caminho for clareando, e parecer assombrar-lhe uma saída, estará diante de um lago, das mais negras águas, e no entanto verá refletido o seu rosto: Um rosto que já não é mais seu. Pois, tornou-se Outro. Inominável e sem nome; Assim, com a alma posta em chamas, e com o Eu tornado à origem, terá cometido o segundo sacrifício, o cumprimento do tratado. E agora, sem identidade, poderá seguir adiante, através do deserto do indenominável e da morte, na sua busca imensa pelo Nada.

Agora se entende o lugar que ocupa a obra de arte. Ela marca ao mesmo tempo a morte de uma experiência e a sua multiplicação”. Disse Albert Camus, em seu consagrado livro “O Mito de Sísifo”, onde trata, de forma geral, a relação entre o sentimento do absurdo e da aspiração ao nada, com o suicídio. Fazendo um paralelo, podemos considerar que este lugar que, para Camus, a obra de arte ocupa, também é ocupado, não mais que obviamente, pelo artista. No entanto, este espaço é preenchido de outra maneira, não só a vivência da experiência é levada ao último limite, e assim, exaurida, tornando-se várias outras experiências, inovadoras e desconhecidas, mas o artista também o é. Quando cria, além de viver duas vezes, o artista vive-se outro. Com o espírito exaurido de seu antigo jogo, ele se reproduz, toma outro timbre, outra forma, outra coloração, e dá à si a condição de metamorfo. Amorfo ou de forma ignóbil, o artista cria sua obra, e torna-se monumento, sem identidade própria, mas um conjunto de “personagentes” que modificam-se ao decorrer do seu trabalho de amadurecimento e de criação incomensurável.

No entanto, ainda falta um sacrifício a ser feito. E é neste último (?) sacrifício que se fundamenta o trabalho do poeta: É preciso dar o salto.

É preciso romper com tudo; encarar, sem titubear ou fugir, o Nada. Pular através do abismo, com a lúgubre certeza de que não chegará ao outro lado sem tombar à fundo. Mas é preciso tal coragem. E este, diferente de todos os outros sacrifícios, é um sacrifício consciente, e que acima de tudo, só pode ser cometido pelas próprias mãos.

Depois de tornar-se estrangeiro para si mesmo, e para o antigo mundo familiar que o rodeava, o Poeta, precisar ir além, e sua função fundamenta-se nesta coragem aparentemente insensata e irresponsável. Pois tal como o herói-trágico (que se define por uma desmesura), seu papel é pré-potente; Mas, de uma prepotência necessária e consciente. Pois é preciso estar de acordo com sua efemeridade, mesquinhez, e transitoriedade. Inserido no âmago da condição humana (pois antes de qualquer coisa, o homem é um animal Poético), ele (o poeta, o artista, o criador...) sente o ímpeto de superá-la, indo além e através do Ser, e do ser vidente, - conceito já tão bem trabalhado por Rimbaud em sua carta a Paul Demeny, e por todos os seus seguidores seculares - tomando assim, a ousadia imortal, e roubando o fogo inaudito do interior do desconhecido. Toma a chama para si e para o mundo, pois contemplando intrinsecamente os olhos do Nada, o poeta recebe-o de maneira brusca e crava seu nome nas entranhas da eternidade humana, comparando-se à um deus e desafiando, através de sua revolta e rebeldia, todos os outros deuses (e mortais).

E esta constatação de morte e criação pelo desconhecido fundamenta, no Poético, o absurdo. Através de uma nadificação institui-se o mais profundo e fundamental instinto humano: o de criação. Deixando com o poeta este gozo eternamente suicida. Pois o Poeta tem de estar aberto para a amplitude do mundo, a partir da negação do Eu, podendo com esta transgressão tornar-se vários e nenhum. E esta abertura tem de ser pura, por crucialmente lidar com o indizível, permitindo assim ao poeta, no seu salto mortal, transpor até o outro lado do Inapreensível.

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Bibliografia:

Camus; ALBERT: O Mito de Sísifo. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch.

Rio de Janeiro – 5ª edição – Record.

Rimbaud; ARTHUR: Carta de Rimbaud à Paul Demeny, escrita dia 15 de maio de 1871.


terça-feira, 6 de julho de 2010

Dispensando apresentações...

Dispensando apresentações, ou melhor, a encurtando, venho trazer neste blog, pequenos escritos teóricos sobre a poesia, e pequenos pensamento em relação ao mundo. Não só como uma prática pessoal de escrita, e estudo, mas também como o começo de uma proposição de diálogo, ainda que com pouca repercussão.
Como primeiro texto publicarei um comentário sobre a absurda busca do poeta pelo desconhecido, que será entregue para a cadeira de Teoria Literária III, ministrada no período de 2010.1.