terça-feira, 2 de outubro de 2012

Pausa Poético-Pessoal:

     Penso que estive em certo estado de inércia durante esses meses, e quiçá, durante esses últimos dis anos. Mas após o lançamento do "Dissonância Subjetiva", fato ocorrido no dia 1º de outubro de 2012, me fez novamente despertar para as questões importantes da minha escrita. A má arguição, o repente, o nervosismo e a timidez, sintomas que me incomodaram e são essencialmente provas da inesperiência, mas também do susto, de um certo despertar: um primeiro choque de realidade. Eu não estava levando meu trabalho a sério. Por mais que eu me esforçasse para obter as leituras, e no caso, para compor meu primeiro romance, o "Nas Margens do Azul", eu estive em tal grau de displicência para com a minha obra que ela própria pareceu desinteressante a mim. Um estágio quase mútuo de des-interesse, com o qual percebi que eu não tinha propriedade (quase nenhuma) sobre aquilo que eu escrevi.
     É claro que a minha fragilidade no lançamento, tanto em perspectiva literária quanto comercial, diante de meus bons e poucos entes-queridos e pessoas por quem nutro admiração (inclusive minha mãe, que ao menos não viu minha fala falha), me causou certo estranhamento e me pôs diante de questões importantes. Porém uma questão se sobressalta às demais, neste primeiro instante: Minha obra precisa ser maior que eu. Ela têm de ser autônoma à minha pessoa, enquanto escritora, para que possa crescer e se fundamentar, pois se ela acabar por depender de mim, certamente prevejo um fim trágico destinado ao Lethes, o rio do esquecimento. Pois, depois de longa reflexão e constatação, e gostando de admitir isso ou não, eu sou um poeta "marginal", descendente direta (e não por influência) de Arthur Rimbaud. E levando à risca no sangue as "palavras de ordem" de Torquato Neto ("É preciso estar à margem da margem..."), eu tenho me caracterizado cada vez mais em um desgarrado de toda e qualquer filiação literária contemporânea, um completo desterrado, porque além de minha própria conduta-reflexiva intransitiva, o cerne da matéria-prima da minha obra é um só: A Revolta Genuína. A Revolta plena que ultrapassa o limite tão somente da violência e da transgressão, manifestando e compondo-se em todos os âmbitos da existência, como o político, o social, o histórico, o filosófico, o literário... Uma revolta que revoga a si sua própria existência e torna-se força motriz para a reflexão e a ação, sempre com a inclinação à proposição criativa da mudança. E com isso, posso concluir junto a Drummond (este sim, meu pai e irmão): "Por fogo em tudo, inclusive em mim/ Ao menino de 1918 chamavam anarquista/ Porém meu ódio é o melhor de mim...". Entretanto, tal episódio só pode ser concebido devido a um episódio também ocorrido na noite do lançamento do livro, quando eu e mais dois companheiros, decidimos ir ao "Corujão da Poesia", evento (vulgo, sarau) que acontece toda segunda-feira na rua Vinicius de Moraes, em Ipanema. Recordo-me que cheguei tarde, pouco após à meia-noite, e que este fato pode realmente ter contribuído para a minha estranha percepção do ambiente, e por ter perdido parte do evento, isto pode ter influenciado diretamente na minha observação. Em todo o caso, quando cheguei havia uma banda tocando, e realmente, todos os músicos que se apresentaram nesta noite em questão, eram todos, no mínimo, realmente competentes. Contudo o que me incomodou foi a relação daquelas pessoas e daquele Lugar com a poesia...  O que eu pude constatar foi que as pessoas que ali se apresentaram estavam beirando algo entre a ingenuidade e o estrelismo (que pode ser considerado má-fé neste caso, o que é pior), e a poesia em si não era o centro das atenções, ou ao menos algo factualmente importante. A Poesia já não se presentificava no local, o que depois em conversa, me recordou um verso de Ferreira Gullar, mas com um adendo, é claro: "E a Poesia foi à rua comparar jornal"...  Comprar jornal, passar um café, tomar uma cerveja em outro bar e nunca mais voltou. Parece que não fez questão. O que acontecia de fato é que aparentemente naquele ambiente a Poesia não era posta em primeiro plano, e muito menos levada a sério; o que tinha-se eram pessoas brincando de fazer poeminhas, fingindo ser poetas e fingindo discutir poesia, quando na verdade era apenas um evento com caráter festivo, em que certas pessoas iam apenas para mostrar-se socialmente, um certo tipo de exposição de ego, tal como foi o caso de um jovem ator, com pose de galã-rebelde que subiu ao palco-livre para falar desdenhosamente alguns poucos versos de Drummond e entreter o público com sua conversa pseudocultdescoladorevoltadocoolcaustico. Mas o ocorrido-estopim cujas as conseqüencias foram minha indignação e Revolta genuína, e estas reflexões que surgiram mediante horas de conversa sobre tais assuntos com meu queridíssimo PH Wolf, foi a cena de absurdo non-sense chamada: Hora do Sorteio. Em forma de programa de auditório, possuía um jinggle repetitivo tocando ao fundo, enquanto uma espécie de mestre de cerimônias misturado com um apresentador de televisão sorteava livros e doces para a platéia, e convidando os "felizardos" a subirem ao palco para que todos contemplassem sua sorte. Uma típica cena de programa barato de auditório (e ouso dizer, típico de programas de domingo à tarde), com um óbvio e apelativo panis et cirsensis. Diante tal imagem, todo aquele nicho parecia-me de um completo absurdo em demasia, algo talvez até um tanto ionesco, mas com uma caracteriza fortemente repulsiva (e idiotizante). O jinggle possuía uma composição instrumental interessante, mas repetitiva ao extremo, e seguida de um lírica fraca; era algo pegajoso tocando infinitamente junto aos gritos, sorteios, aplausos, prêmios e certa vergonha alheia.
     E esta percepção de um ambiente repleto de poesia ruim e não levada a sério, sendo, posso cogitar, usada como um meio de promoção da imagem pessoal de certos indivíduos, e não como "uma origem e fim em si mesma", como deveria ser, despertou-me pela segunda vez, agora em forma da minha revolta plena: O segundo choque de realidade, conseqüência do primeiro e causador do re-despertar da minha Revolta Genuína, a inquietação crítica que expõe-se e dispõe-se para o ímpeto da criação, uma poética instituída na no precisar e no contra-querer. O contra-argumento no embate com a superficialidade do contemporâneo.
     Pouco após este desagradável, embora gratificante, ocorrido, eu e as duas pessoas com as quais dispunha de companhia, fomos nos direcionando à praia do Leme, onde conversamos desconexamente até que o amanhecer, às cinco horas da manhã, desvelou-se por entre o mar, tímido e majestoso, e clareou todas as figuras turvas e dissolutas da noite anterior. O que (uma vez mais) recorda-me certo poema de Drummond: "A Noite Dissolve os Homens". Que poderia ser colocado por inteiro, como grande transição desta noite que fundamentou-se em um período de guerra e ostracismo, para então valer-se da clareza do pensamento e do futuro, que com a Aurora trás consigo a esperança advinda do amanhecer: O Recomeçar cíclico do Tempo, e que desponta, por si só, e vale um tanto quanto mais que toda essa explanação.

"...Aurora, entretanto eu te diviso, 

ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender
e dos bens que repartirás com todos os homens. 


Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações, 
adivinho-te que sobes,
vapor róseo, expulsando a treva noturna. 


O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos, 
teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam 
na escuridão 
como um sinal verde e peremptório. 

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo, 
minha carne estremece na certeza de tua vinda. 


O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes 
se enlaçam, 
os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão 
simples e macio... 

Havemos de amanhecer. 
O mundo se tinge com as tintas da antemanhã 
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário 
para colorir tuas pálidas faces, aurora." 



















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